Começaremos por discutir as diferenças entre as pessoas. Não me interessa aqui, as diferenças anatômicas ou de qualquer natureza física, tão pouco atributos adjetivos como profissão, nome, idade, etc. O que me motiva neste texto é discorrer sobre diferenças essencialmente de gênio - o que faz a mente de uma pessoa essencialmente diferente de outra mente em outra pessoa.

Eu argumento que qualquer mente é definível pelo conjunto de todas as suas crenças. Denominaremos tal conjunto como sistema de crenças pois apoiam-se mutualmente. O sistema de crenças do leitor compreende tudo aquilo que o ele acredita - logo, também tudo aquilo que o leitor sabe, pois saber é acreditar. Uma opinião, é também uma crença, pois fundamenta-se naquilo que a mente acredita.

Seu nome, sua profissão, sua idade, sua posição no espaço, sua opinião política, sua opinião sobre as outras pessoas, aquilo aprendido por outros, pela escola e universidade. Todas essas são exemplos do que compõe o sistema de crenças de um indivíduo.

Uma crença é um modelo de como a mente compreende a realidade. Tudo o que você sabe sobre o mundo, acredita sobre o mundo, opina sobre o mundo, são crenças. A mente tem um modelo de mundo interno que reflete a realidade. Esse modelo interno, que é o seu sistema de crenças, não é completo - pois há sempre coisas do mundo que não se sabe; muito menos correta, pois frequentemente nosso modelo está equivocado sobre a realidade do mundo (necessitando ser modificado).

Todo conhecimento e crenças humanas estão codificados em sistemas de crenças (ou modelos de mundo) nas mentes de todas as pessoas viventes.

A crença gera o hábito. Sempre agimos de acordo com nosso sistema de crenças, e quando esse sistema é modificado (ao adquirir novas, ou modificar, crenças), mudamos nosso hábito. O objetivo do hábito é maximizar a felici- dade, através do que a mente acredita ser o caminho para isso, e, essa crença é fundamentada em todas as outras de nosso sistema de crenças.

O fato é que as pessoas são agentes ativos na mudança dos sistemas de cren- ças mútuos, através da apresentação de argumentos e evidências, uma pessoa pode embutir em outra, uma crença que ela mesma tem. Dá-se a isso o nome de convencimento.

O simples relato de uma estória pessoal é uma forma de convencimento, pois o ouvinte está criando um novas crenças em seu sistema a respeito dos eventos narrados acontecidos ao palestrante. De fato, toda manifestação da linguagem humana, seja falada ou escrita, tem como efeito a modificação ou surgimento de crenças nas mentes dos espectadores.

Reformulando então. Toda crença humana (incluindo conhecimento, que é crença fundamentada) existe em todas as mentes e também em todos discur- sos escritos - pois as duas entidades podem produzir linguagem com efeito de convencimento.

É bastante evidente que diferentes pessoas tem diferentes sistemas de cren- ças, frequentemente conflitantes. Pessoas tem opiniões incongruentes sobre o mesmo tema, portanto agem de forma divergente. O motivo para isso são as distintas experiências as quais as pessoas são apresentadas.

Se duas mentes fossem apresentadas as mesmas experiências, teriam a mesma crença, logo, o mesmo hábito - sendo portanto, irredutivelmente, a mesma pes- soa.

Existe então conflito quando um discurso tenta mudar uma crença estabele- cida em outra mente. Muitas vezes, este conflito é simplesmente resolvido com o descarte da crença antiga e adoção da nova crença. Porém, temos um con- flito maior quando duas pessoas tem crenças diferentes sobre o mesmo tema, e ambas tentam usar a linguagem para convencer o outro de seu ponto de vista. Denominamos tal configuração de debate.

Um discurso que tem como efeito embutir uma crença deliberadamente falsa, é chamado de discurso mentiroso, ou simplesmente, mentira. Nossa mente re- pudia mentira para defender-se contra a possibilidade de agregar-se uma crença falsa, que poderá gerar um hábito não condizente com a realidade. Para tanto, a mente é bastante perspicaz em identificar mentiras e não aceita o efeito natural de qualquer discurso.

Um discurso para ter o efeito desejado de gerar crença ou convencer, deve ser convincente. Conter elementos argumentativos que induzam a mente a aceitar a crença. O fato é que argumentos não são universais, e uma mente não necessariamente tomará como válido, um argumento que é para outra.

Quando nós falhamos em construir um discurso convincente para nosso ou- vinte nós frequentemente nos decepcionamos e ficamos irritadiços. Não há qual- quer razão na natureza que faça as pessoas mudarem de opinião, a não ser elas mesmas aceitarem os argumentos como válidos - o que é um caráter subjetivo.

Se nossos argumentos nos parecem tão válidos a ponto de - à nossa visão - ser absurdo o interlocutor não convencer-se, gera uma resposta emocional a que atribuímos simplesmente a imaturidade do interlocutor de querer vencer o debate, ignorando simplesmente qualquer argumento favoravelmente as suas crenças.

Esses fatos frequentemente ocorrem com os ditos assuntos polêmicos, a qual todos os argumentos apresentados são evidências anedóticas, senso comum, ou argumentos de autoridade - considerados todos argumentos fracos, portanto, de difícil convencimento.

Muito embora esse seja o caso, mesmo argumentos considerados fortes como uma das formas de silogismo apresentada como:

Se P implica em Q, então a negação de Q implica na negação de P.

Mais formalmente:

 Se P → Q

 Então ^Q → ^P

Por exemplo, se o trovão implica em um raio, então, a não existência do raio implica na não existência do trovão. i.e não pode existir trovão sem raio.

Mesmo esse silogismo lógico pode não ser argumento válido para quem quer que seja. Não há lei na natureza que especifique que deduções devem obrigatori- amente ser aceitas, portanto, parte de um acordo a priori entre os debatedores do que consideram argumentos válidos ou não. Bom senso é nome do conjunto a priori de argumentos válidos mais ou menos acordado pela sociedade.

É surpreendente que, mesmo em assuntos polêmicos e pouco estabelecidos - como, por exemplo, se talento é inato ou aprendível - as pessoas se irritam profundamente quanto vislumbram que seu próximo pensa diferente, ou mesmo, que oferece resistência ao adotar a crença contrária.

Muitas pessoas acreditam que talento (principalmente dons para artes como música e desenho) são inatos - e este tem sido o senso comum durante muito tempo. Não existe uma resposta, mas a psicologia moderna tem coletado evi- dências de que talvez seja o caso que todo talento possa ser aprendido (no tempo certo).

A palavra dom tem como sinônimo os termos dádiva e presente, também desembocando em um sentido teológico no qual dom é um bem espiritual pro- porcionado por Deus (MICHAELIS, p. 296). Fucci Amato 1 nos diz que:

Predomina no senso comum a visão de que o artista é um ser que foi escolhido por uma entidade divina para receber um dom especial, que o distingue do restante dos seres humanos. Ideias como destino, talento inato, predestinação, ligadas a teorias religiosas e à ideologia veiculada pelos meios de comunicação em massa, contribuem para formar nas pessoas a concepção de que um músico, um pintor, um ator já nasceram para realizar aquela atividade e são pessoas únicas e especiais. (pagina 81)

Diversos autores contemporâneos tem argumentado contra a ideia do dom inato, como Geoff Colvin 2, Daniel Coyle 3, Malcolm Gladwel 4, e David Shenk 5.

É difícil se acostumar com a ideia de que nascemos todos com as mesmas chances de brilhar. Principalmente quando olhamos para aquelas pessoas que parecem ter habilidades sobrenaturais - aquelas que fazem você se lembrar diariamente das suas limitações: as crianças prodígios, por exemplo. A maior de todas as crianças prodígios foi Wolfgang Amadeus Mozart. Aos 3 anos, o austríaco começou a tocar piano, aos 5 já compunha, aos 6 se apresentava para o rei da Bavária de olhos vendados, aos 12 terminou sua primeira ópera. Há séculos, ele vem sendo citado como prova absoluta de que talento é uma coisa que vem de nascença para alguns escolhidos. Mas parece que não é bem assim. A vocação de Mozart não apareceu do nada. Seu pai era professor de música e desde cedo dedicou sua vida a educar o filho. Quando criança, Mozart passava boa parte dos dias na frente do piano. As primeiras peças que compôs não eram obras-primas - pelo contrário, contêm muitas repetições e melodias que já exis- tiam. Os críticos de música, aliás, consideram que a primeira obra realmente genial que o austríaco escreveu foi um concerto de 1777, quando o músico já tinha 21 anos de idade. Ou seja, apesar de ter começado muito cedo, Mozart só compôs algo digno de gênio depois de 15 anos de treino.

O mesmo pode ser observado com talentos das mais diversas áreas. Ronaldo, o Fenômeno, tinha de ser arrancado dos campos de futebol quando criança porque não queria fazer nada que não fosse jogar bola. Os técnicos de Michael Jordan se lembram de que o jogador era sempre o primeiro a chegar aos treinos e o último a ir embora. E mesmo Bill Gates, como bom nerd que era, não fez sua fortuna do nada: quando adolescente, ele passou boa parte da sua vida programando computadores enfurnado numa sala da Universidade da Califórnia. Ou seja, mesmo aquelas pessoas bem-sucedidas, que parecem esbanjar talento, trabalharam muito antes de chegar lá.

Isso faz todo sentido, se considerarmos a nova maneira como os cientistas têm enxergado a influência dos genes na formação de talentos. Aquilo que costumamos chamar de talento natural para liderança ou aptidão nata para os esportes parece não ter nenhuma relação com o nosso DNA. Não há nenhuma evidência de que exista uma causa genética para o sucesso ou o talento de alguém, diz Anders Ericsson, professor de psicologia da Universidade da Flórida que há 20 anos estuda por que algumas pessoas são mais bem-sucedidas do que outras. A questão aí reside no fato de os genes (e sua interação com a nossa vida) serem um assunto tremendamente complexo - que dá pesadelos até nos geneticistas mais gabaritados. Já se sabe, por exemplo, que até mesmo traços diretamente ditados pelo DNA, como a cor dos nossos olhos, são definidos por mais de um gene que se relacionam entre si. O que dizer, então, de atributos mais complexos?

Não há consenso nenhum na ciência a respeito deste tema, muito embora, as pessoas tem o direito de ter opiniões, mas é contraprodutivo se irritar ao encontrar alguém com opinião contrária a sua. Na hora de usar a linguagem, considere o poder que esta tem, considere seu sistema de crenças, e considere o sistema de crenças de seu ouvinte. Conflitos inevitavelmente surgirão, portanto lembre-se disso ao adentrar em um debate antes de se irritar futilmente.



  1. Fucci Amato, Rita de Cássia. Capital cultural versus dom inato: questionando sociologicamente a trajetória musical de compositores e intérpretes brasileiros. 2008 

  2. Geoff Colvin. Talent Is Overrated: What Really Separates World-Class Performers from Everybody Else. 2010 

  3. Daniel Coyle. The Talent Code: Greatness Isn't Born. It's Grown. Here's How. 2009 

  4. Malcolm Gladwel. Outliers: The Story of Success. 2011 

  5. David Shenk. The Genius in All of Us. 2010