13 November 2013
Caixa-preta
é um jargão filosófico, mais empregado nas ciências naturais, que
refere-se a fenômenos aos quais desconhecemos seu funcionamento interno. Por
exemplo, para alguém que não sabe como opera o motor do carro, este é uma
caixa-preta
. Algumas coisas eram caixas-pretas há pouco tempo, como por
exemplo, o arco-íris. Até que alguém descobriu que é um fenômeno da difração da
luz em gotículas de água.
Aceitar que um fenômeno é uma caixa-preta conjuntamente à recusa em investigá-lo é uma atitude deselegante na ciência. Afinal, o papel dela é explicar as coisas até onde se possa saber. Porém, em geral, aceitamos as explicações até certo nível. Retomando o caso do auto-motor, um mecânico poderia explicar a um leigo que o mesmo possui câmara de combustão, ignitor, pistões, e depois elucidar como interoperam essas partes. O leigo ficará satisfeito sem querer saber em detalhes das reações moleculares de combustão dos hidrocarbonetos. Uma outra pessoa, mais minuciosa, poderia julgar a combustão como uma caixa- preta, até que se revele como as moléculas se quebram e aquecem.
Muito do mundo natural não é mais caixa-preta em níveis bastantes satis- fatórios. Embora muitos psicoanalistas como Freud, Jung, Adler, Reich, dentre outros, tenham aberto um pouco a caixa-preta da mente, a mente humana, ainda é misteriosa. Neste contexto eu convido o leitor a filosofar sobre o pro- blema da mente e corpo, e como soluções deste problema podem levar a uma revolução no pensamento ocidental.
O problema mente e corpo é o problema filosófico de se entender o relacionamento entre a mente e a matéria física que constitui o corpo humano.
Este problema surge porque fenômenos mentais como pensamento, crença e emoções
parecem, intuitivamente, estar desrelacionados a fenômenos físicos, como
matéria e energia. Alternativamente, no entendimento da neuro-ciência moderna,
processos eletro-químicos do cérebro. Na filosofia ocidental, sua formulação é
creditada à René Descartes. Para ele, a mente é uma substância diferente das
coisas físicas - concretizado em seu experimento mental conhecido como Demônio
de Descartes
, um demônio suficientemente poderoso poderia dissimular tudo que
a mente experimenta pelos sentidos (inclusive seu próprio corpo), muito embora,
o ser maligno, para Descartes, seria incapaz de dissimular a própria mente. A
máxima emitida pelo pensador: _Cogito ergo sum_
(penso logo existo), exprime
a ideia de que a única coisa cuja realidade nos é certa, seria nossa própria
mente, portanto, deve esta ser de uma substância diferente do resto das coisas.
Na modernidade, o pensamento Decartiano é encontrado em filmes como Matrix, ou
na ideia de um cérebro em um vaso
. Onde todas as experiências de um ser
seriam irreais
. Hoje entendemos Descartes, dentro da filosofia da mente, como
um dos pioneiros do chamado movimento Dualista
, dicotômico ao movimento
Monista
.
As religiões, em geral, são dualistas, pois assumem que a mente é um fenô- meno impossível de se emergir da matéria comum. Para os monistas, a mente é um fenômeno emergente das interações eletro-químicas do cérebro.
Os dualistas acreditam em uma esfera metafísica (alma), a qual interage com o sistema nervoso central, dando características funcionais da mente a um ser. Neste pensamento, a morte do cérebro não necessariamente significa a morte da mente. Na corrente monista, entretanto, a morte do cérebro implica no decaimento e aumento da entropia na matéria cerebral - levando a degradação e cessar das funções emergentes da mente (e.g. pensamento, identidade, memória, cognição e consciência), ou seja, a morte do cérebro implica na morte da mente.
Ambas as formas de pensamento são incongruentes, logo, somente uma de- verá
refletir a verdade. Muito embora alguns pensadores se colocam numa posição
intermediária defendo que existem leis físicas ainda não descobertas que
permitem a emergência da mente fora do cérebro, e, o órgão, é então uma espécie
de receptor
para esta estrutura mental externa.
Argumento que tal posição é indefensável. Se existe uma estrutura física que funcione como mente e externa ao cérebro, então tal teoria não é metafísica (pois não vai além da física), e também não é física (não é experimentável, observável nem refutável).
Uma teoria científica - no sentido Positivista, em primeiro lugar deve ser refutável. Deve ser possível conceber um experimento a que se atribua um resultado que implique na falsidade da teoria em questão. Esta, então, deverá ser substituída ou revisada.
Pode-se argumentar que o cérebro tem mecanismos ainda não desvendados pela
neuro-ciência, sem dúvida. E também pode-se argumentar que o cérebro sozinho
seja incapaz de produzir a mente, e esta deve existir em um plano metafísico
.
Mas não há como sustentar uma posição intermediária - nem metafísica ou física,
porque é contraditória, além de ser anti-científica.
Descartando então, a teoria intermediária. Se assumirmos que a posição dualista
é verdadeira, então isso implica em quatro pontos importantes: Primeiro, que
existe um plano metafísico
onde a mente existe. Segundo, que a evolução
biológica sozinha, não teria como ter chego à mente, e foi necessária uma
inter- venção externa (i.e. divina) para que cada ser humano seja dotado com
uma mente metafísica (i.e. alma). Terceiro, o cérebro nada mais é que um
receptor (ou antena) para uma estrutura metafísica que o o controla,
consequentemente, comandando o corpo; nesta visão, um corpo desconectado
de
sua mente meta- física se tornaria inanimado. E quarto, considerando que a
tecnologia evolva o quanto se queira, o homem não conseguirá reproduzir a mente
em uma máquina. Ou seja, é impossível criar uma máquina que desenvolva
pensamento, cognição e consciência.
O quarto e último ponto é particularmente interessante, do ponto de vista científico, porque nos dá uma maneira em potencial de refutar o dualismo: se o homem, através da técnica, construir uma mente artificial então prova-se que é possível a emergência da mente da matéria inanimada.
Dualistas poderiam argumentar que mesmo que isso acontecesse, não implica que o cérebro é um mecanismo deste tipo, podendo ser ele uma exceção e continuar sendo um receptor à mente metafísica. Logo, para um refutação ao dualismo mais retumbante, seria necessário que a neuro-ciência explicasse, cui- dadosamente, como se emergem as funções da mente dos mecanismos cerebrais.
Diversos autores modernos teorizaram sobre a estrutura da mente monista. Marvin
Minski, em sua obra Society of Mind
, explica que a mente é a colaboração de
múltiplos agentes; Ben Goertzel em The Structure of Intelligence
, coloca o
pensamento como uma função de otimização não-linear; Jeff Hawkins, em On
Intelligence
, explica a percepção e função motora, como sistemas hierárquicos
de correlação e analogia.
Mostrar que uma máquina é capaz de produzir as funções mentais, entretanto, mostra que em princípio é possível que a mente exista somente em um sistema físico. Tal princípio, considero, já é evidência forte o bastante para que um órgão biológico também o seja. Pela navalha de Occam, é bastante mais plausível que um fenômeno seja oriundo de processos naturais a sobrenaturais, como se mostrou repetidamente na ciência, quase tudo que se acreditava ser sobrenatural acabou sendo elegantemente explicado pela ciência como um processo natural. A mente é um fenômeno complexo e ainda não desvendável, portanto, ainda há espaço para se acreditar que seja um processo sobrenatural (no sentido de metafísico).
Um problema que o dualismo deve lidar, é explicar exatamente onde existe a atuação da alma. Animais tem funções mentais bastante similares ao homem. Por exemplo, chimpanzés são capaz de de se comunicar com símbolos; golfi- nhos são capazes de cultura (transmitir conhecimento entre gerações); elefantes se identificam no espelho (uma evidência de auto-consciência); abelhas usam linguagem para comunicar locais promissores de néctar; desde os répteis obser- vamos emoções como raiva e medo; mamíferos em geral tem emoções complexas como ciúmes, vergonha, submissão, hierarquia social, etc.
Qual é exatamente a função mental exclusiva da mente metafísica? Ou alternativamente, pode-se dizer que mente metafísica também esta presente em todos animais. Porém, um problema desta abordagem é chegar-se ao absurdo de dizer que bactérias também gozam da alma, sendo que já se está (quase que) completamente revelado os mecanismos moleculares destes seres (há até simulações de bactérias inteiras em computador) - ou seja, não há mais mágica.
Há então, quem se preocupe em dizer que somente alguns serem tem alma, outros
não. Essa linha de corte
, me parece bastante arbitrária - tanto em humanos,
quanto em qualquer outro lugar. Há uma gradação de complexidade entre mentes
animais, de modo que é bastante difícil delinear uma separação entre os com
alma
, e os sem alma
.
Considerando que a criação de uma mente artificial já é evidência suficiente contra o dualismo, então, vamos investigar quais seriam as consequências da existência hipotética de uma máquina dessas. Em primeiro lugar, considere que mente artificial seja a quantidade e intensidade necessária de funções mentais suficientes para que você, leitor, classifique como mente. Por exemplo, uma máquina que converse normalmente como qualquer pessoa e faça observações inteligentes através de uma tela com texto (tipo chat) talvez seja suficiente para algumas pessoas; enquanto que para outras, essa máquina também deveria ter um corpo robótico, andar por ai, enxergar, ouvir, etc. Alertando que essa classificação colocaria os tetraplégicos surdo-mudos como seres sem mente.
Existe um teste famoso, conhecido como teste de Turing
, para dizer se um
programa de computador é inteligente ou não. Neste teste, uma juiz interage por
texto - através de um diálogo - com um programa em teste. Se o juiz for incapaz
de julgar a diferença de seu interlocutor de uma pessoa real (ou seja, se o
programa conseguiu enganar
o juiz), então esse programa será classificado
como inteligente. Até hoje, nenhum programa passou no teste de Turing.
Há que se dizer que não é só porque uma máquina aja como quem tem mente, esta
necessariamente tem uma mente. Essa observação, no entanto, é absurda, pois
leva a conclusão de que não se pode ter certeza que nenhuma outra pessoa - além
de você mesmo - tem mente. A visão exagerada do dualismo Decartiano é chamada
Solipsismo
, que prega o absurdo de que você é a única mente real do mundo,
todo o resto, são marionetes especialmente articuladas para te convencer que
também são seres pensantes.
O argumento da possibilidade do Zumbi Filosófico
, prega que é possível
existir serem que agem e falem exatamente como pessoas conscientes, porém, são
simples autômatos. Esse argumento foi consistentemente refutado por Daniel
Dennett, Douglas Hofstadter, e outros. Não tem como você saber ao certo que
qualquer outra pessoa não é um zumbi filosófico e você não pode provar para
ninguém, que não é um zumbi filosófico. Epistemologicamente, se uma coisa
parece um cachorro, late como cachorro e até onde se verifique, suas
propriedades são precisamente as de um cachorro - então é um cachorro. É
indefensável dizer que não é um cachorro.
Logo, descartando o solipsismo, vamos considerar que se um ser é funcional- mente uma mente, ou seja, não há nada em seu comportamento e discurso que o diferencie de outro ser com mente, então, ele também tem uma mente.
Um máquina, portanto, que se comporte e discurse como uma pessoa, é fun- cionalmente, uma máquina com mente - provando a possibilidade do monismo e colocando duas teorias alternativas possíveis: Ou o cérebro é uma máquina como essa, ou então, o cérebro é um receptor para uma estrutura metafísica (que é uma máquina como essa), existente em um plano sobrenatural. A alternativa mais simples, é que essa máquina seja implementada no próprio cérebro, sendo desnecessária a complicação extra da existência do sobrenatural, receptor, etc. Acredito que a existência de uma máquina pensante é uma evidência forte o bastante para se abraçar o monismo.
Note que não é necessário implementar a máquina para que se refute o dualismo. A concepção precisa que essa máquina, em princípio, pode existir, já é argumento suficiente.
A refutação do dualismo - ou mais precisamente, a fortíssima evidência con- tra o dualismo, através da apresentação de uma máquina pensante - teria prin- cipalmente duas consequências na filosofia ocidental: Primeiro, o desabamento da ideia de livre-arbítrio; E segundo, o desabamento das religiões dualistas (re- ligiões Abraâmicas, religiões Indianas, e religiões da Ásia Oriental). Vamos discutir com mais detalhes essas duas consequências.
Em primeiro lugar, porquê haveria o desabamento da ideia do livre-arbítrio?
Se uma máquina física implementar as funções mentais, ela deverá,
necessariamente, exibir um atributo considerado intuitivamente como
livre-arbítrio
. Tal atributo é popularmente definido como:
Livre-arbítrio é a capacidade de decidir livremente.
Essa definição do livre-arbítrio é um tanto vaga (capacidade de decidir livremente), pois é simples dizer que um dado de seis faces, ao rolar, é capaz de decidir livremente entre uma de suas seis faces com 16% de probabilidade. Se consideramos que um dado tem livre-arbítrio, então, ter livre-arbítrio resume-se em tomar uma dentre muitas decisões por escolha aleatórias - a maioria das pessoas dirá que essa definição de livre-arbítrio é absurda. Então, vamos para uma definição que formalize melhor nossa intuição:
Livre-arbítrio é a capacidade de decidir livremente, a luz de suas crenças.
Novamente, é difícil dizer que um dado não tem livre-arbítrio - mesmo sob essa nova definição: ele escolhe uma de suas seis faces sob a luz de suas crenças, que podem ser nenhuma ou tantas quanto você possa imaginar. O fato é que o dado ignora suas crenças e toma a decisão aleatoriamente.
Vamos, então, refinar a definição de livre-arbítrio, para não cairmos sobre a mesma armadilha:
Livre-arbítrio é a capacidade de decidir livremente, considerando e não ignorando, suas crenças.
Agora a nossa definição ficou mais relevante. É bastante óbvio que o dado não tem mais livre arbítrio sob essa visão, pois um ser não poderá ignorar totalmente suas crenças, ou seja, a decisão deverá estar de alguma forma correlacionada com o que se acredita. Esta definição reflete um pouco mais a visão Pragmatista de Pierce, onde o entendimento de um conceito é somente tudo aquilo de hábito que ele pode ocasionar, e nada mais.
Naturalmente, ignoramos o caso trivial, que é um ser que não possui crença nenhuma. Neste caso trivial, o dado tem livre-arbítrio, porque continua decidindo considerando (e não ignorando) suas crenças - porém, acabam por ser nulas.
Agora, se um ser toma sempre a melhor
decisão, dadas suas crenças - então ele
sempre, sob situação e crenças idênticas, tomará a mesma decisão. Não
consideramos isso livre-arbítrio, pois nos intui algo como um autômato.
Portanto, há que se considerar que a decisão deva ter um pouco de erro
, para
ser efetivamente livre. Algo entre o dado e o autômato.
Argumenta-se que o ser, talvez queira deliberadamente escolher uma decisão
pior, e isso faz-lo ter livre-arbitro: a capacidade de escolher o pior, mesmo
sabendo que há alternativas melhores. Se a escolha é deliberada (e não por
erro), então esse ser tem a crença de que deseja escolher o pior, logo, faz o
melhor
para que isso se concretize (segundo suas crenças). Vemos que não há
como escapar da ilusão do livre-arbítrio. Algo entre o dado e o autômato.
O livre arbítrio parece ser uma ilusão. Uma decisão que parece livre, mas emerge de processos cognitivos complexos e que não estamos conscientes - dependentes de nossas crenças e erros.
Se o leitor ainda não se convenceu que o livre arbítrio é uma ilusão em sua essência. Deverá, pela lógica, convencer-se que o livre arbítrio é terminantemente morto, caso exista um sistema físico dotado de mente (a nossa máquina mental).
Se uma mente artificial existir, ela devera ser implementada em meios físicos - que são regidos pelas leis da relatividade geral e física quântica. A natureza, segundo as leis naturais, em sua essência, não é arbitrária. Ela segue leis bem definidas, algumas vezes incorporando processos estocásticos (como demonstrado pela incerteza de Heisenberg), mas ainda sim, processos sem nenhuma qualidade mental per se, sem livre-arbítrio em sua essência.
Um sistema físico pode ser desenvolvido (em suas possibilidades), apenas
aplicando as equações da física quântica. Mecanicamente, sem a necessidade de
criatividade
ou intervenção. Tanto que um computador (que segue leis
precisas) é capaz de simular qualquer sistema físico hoje com o grau de
precisão que se deseje.
Logo, se uma mente artificial é implementada em substrato físico, então o livre-arbítrio deve obrigatoriamente acontecer como um processo emergente, e não, como um processo essencial do substrato físico. Ao reduzir e explicar a complexidade da mente em bilhões de iterações físicas (ou eletro-químicas, no caso do cérebro), então chega-se em um nível de abstração ausente de livre arbítrio (ou qualquer outras faculdades mentais), mas as quais suas interações produzam um sistema complexo de processos de onde seja emergente as funções da mente.
Conclui-se que a seguinte proposição é verdadeira: Com a existência da mente artificial, cai o livre arbítrio e também cai a mente fora do corpo, os dois pilares fundamentais das religiões em geral.
Parece então, que as religiões estão fortemente ameaçadas pela possibilidade de existir uma mente artificial. Vamos investigar agora, quais são os prospectos para se chegar a construir uma máquina destas.
Um maneira filosoficamente simples de se conceber uma mente artificial (porém com sérias dificuldades práticas) é simular o cérebro humano em um computador. As leis da física quântica nos dão equações diferenciais, implementáveis no computador, com as quais podemos simular as todas as iterações eletro- químicas do cérebro, inclusive a nível molecular, com a precisão que se deseje.
Se o resultado desta simulação for um ser pensante e tão dotado de mente como qualquer outra pessoa, então prova-se que existe a mente artificial.
As abordagens modernas, entretanto, focam-se na ideia de que é possível construir algo funcionalmente equivalente a mente humana, sem ser, porém, homomórfica as estruturas cerebrais. A superveniência funcional prega que a função da mente pode emergir em outro substrato diferente do cérebro, pois o órgão foi a maneira que a natureza encontrou para reproduzir a função mental. Por analogia, uma bomba de plástico poderia reproduzir a função cardíaca.
No início do século 18, Charles Babbage, matemático Inglês, concebeu o que ele
chamou de Máquina diferencial
. Uma máquina capaz de calcular tabelas de
logaritmos (dentre outros cálculos), úteis para navegação, e que eram até então
calculadas manualmente por pessoas - uma tarefa que ocasionavam muitos erros.
Essas pessoas que faziam os cálculos manualmente eram chamadas computadores
(aqueles que computavam), e, com o advento da máquina diferencial, todo cálculo
agora seria automático, barato, e livre de erros.
Alguns filósofos começaram a se questionar, já que uma máquina pode seguir um algoritmo para calcular, será que uma máquina seria capaz de reproduzir o pensamento e a mente humanas?
É fato que a mente humana é fortemente especializada para as funções que evoluiu: convívio social, comunicação pelo uso da linguagem, etc. E talvez uma máquina venha a exibir um outro tipo de inteligência para a qual foi modelada. Muito embora, o hábito pode ser compreendido, sob o paradigma comportamental, como a tentativa de maximizar uma função de ganho - e os animais tem evoluído extrema complexidade cognitiva para incorporar aprendizagem, planejamento e linguagem, afim de atingir tais objetivos.
Quase um século depois, Alan Turing concebeu uma estrutura matemática capaz de
seguir qualquer algoritmo (sequência precisa de instruções). Chamada hoje de
Máquina de Turing
, é uma abstração simples, mas poderosíssima - de fato,
todos os computadores pode ser reduzidos a uma máquina de Turing. Ou seja, tudo
que um computador pode fazer, uma máquina de Turing poderá também.
Em 1943, Warren McCulloch e Walter Pitts propuseram um modelo matemático de um neurônio, inspirados no aspecto funcional dos neurônios reais. As redes neurais artificiais de McCulloch e Pitts, com apenas algumas dezenas de neurônios, são capazes de façanhas impressionantes como classificação de padrões, inferência, análise de regressão, predição de séries lineares, etc. E são usadas em aplicações de reconhecimento de voz e texto, diagnóstico médico, filtro de spam, investimentos, etc.
Hoje, os computadores modernos conseguem simular talvez alguns milhares de neurônios, sendo que algumas dezenas já são suficientes para demonstrar utilidade prática. O cérebro humano contém 100 bilhões deles!
Computadores modernos chegaram a aplicações incríveis, e, em muitos aspectos, os computadores são melhores que os humanos. Porém, ainda há muito a caminhar tanto em neuro-ciência, quanto em inteligência artificial.
Em menos de 100 anos, o mundo viu a evolução de máquinas de calcular mecânicas a um computador vencer o melhor enxadrista do mundo, traduzir textos automaticamente e outras aplicações maravilhosas. O que nos espera nos próximos 100 anos? Talvez descobertas que nos façam repensar radicalmente o dualismo, o livre arbítrio e as religiões.
Antes de fechar o texto, gostaria de discutir dois termos: Elegância e Completude.
Elegância é simplicidade. Explicar um fenômeno reduzindo-o a partes tão simples e óbvias, que então o todo ganha sentido a partir de suas partes.
Completude é a abrangência. Explicar uma variedade de fenômenos com poucos princípios.
Elegância e completude estão intimamente ligados, e a combinação de ambos é apreciada como Beleza.
A teoria de Isaac Newton sobre o movimento é completa porquê explicou os fenômenos dos céus (movimentos planetários) e da terra (a maçã caindo) sob o mesmo princípio. E elegante, pois tal princípio pode ser enunciado como:
Dois corpos se atraem mutuamente com uma força que é proporcional à massa de cada um deles e inversamente proporcional ao quadrado da distância que separa esses corpos.
A teoria de James Maxwell sobre o eletromagnetismo é completa porquê unificou a luz, todas as ondas eletro-magnéticas, os fenômenos magnéticos e elétricos sob o mesmo princípio. E elegante, pois este princípio pode ser enunciado por quatro equações.
A teoria de Einstein sobre a relatividade geral, é completa porquê unificou aceleração, gravitação e velocidade da luz. E elegante, pois seus princípios também são simples.
Uma teoria com exceções não é elegante, e uma teoria que não explique muitos fenômenos de seu domínio não é completa. A elegância e completude lutam contra as caixas-pretas.
Uma teoria da mente elegante e completa será aquela que não nos force a
acrescentar nada novo às leis naturais, ou exceções, ou caixas pretas
.
Aceitar que a mente é uma coisa metafísica (portanto, fora da percepção e
experimentação físicas), é se acomodar ao fato de que a mente é uma
caixa-preta.